top of page

Bibliotecas, sim!

Por Amanda Leal de Oliveira*


Em fevereiro de 2014, a única biblioteca pública que havia em Piracaia foi fechada. Após tentativas de entender quando e se ela seria reaberta, veio a resposta oficial: “Não há demanda por bibliotecas em Piracaia”.

Afinal, quem precisa de biblioteca?

Lucas, adolescente que chegara de São Paulo para morar em Piracaia, era a última pessoa que imaginaríamos dentro de uma biblioteca tradicional. Inquieto, gostava de estar rodeado de amigos e de cozinhar. Uma noite, a mãe saiu à sua procura e o encontrou sentado em um ponto de ônibus, lendo um livro de culinária, sob a luz do poste.

A jovem Anny adorava ler e nunca pôde entrar na biblioteca da escola, pois estava sempre trancada. Moradora da zona rural, um dia deparou-se com uma casinha repleta de livros, instalada na praça. Encontrou romances e aventuras. Além de levá-los para ler em casa, passou a compartilhá-los com os moradores do asilo onde trabalhava.

Dona Benedita permaneceu em Piracaia depois que os filhos se casaram. Sozinha, escrevia poemas no verso do papel que embrulhava pão. Passou a retirar livros de poesia no ponto de ônibus e a ler seus versos nos saraus do parque.

A menina Ana Carolina saiu do culto e avistou capas coloridas de livros “olhando” para ela, no ponto de ônibus. Folheou um a um, até escolher o preferido, que passou a levar para ler para outras crianças da igreja.

Sr. Juarez nunca aprendeu a ler, mas gostava de poder ter livros em casa, à disposição dos netos, quando vinham visitá-lo.

O rapaz Lázaro vivia de favor e não possuía comprovante de endereço, Na velha biblioteca, não conseguia emprestar um livro, mas nas minibibliotecas livres, folheava todos e, com eles, se alfabetizou.

Quantas outras pessoas poderiam ser também aqui citadas…

Essas são algumas das histórias de frequentadores das minibibliotecas livres do projeto Piracaia na Leitura, que nasceu em 2014, fruto da iniciativa de moradores de Piracaia, diante do então fechamento da única biblioteca pública da cidade.

As ações do Piracaia na Leitura (@piracaia.na.leitura) pretendem ser mediadoras de novos entendimentos do que seja uma biblioteca e sua relevância na vida das pessoas.

O projeto conta com 12 minibibliotecas em pontos de ônibus da zona rural e urbana, com livre acesso a livros e com o acervo renovado semanalmente. A equipe do Projeto organiza também saraus mensais e formação de mediadores de leitura e realizou três Festivais Literários, com mais de 300 autores locais inscritos. A iniciativa é mantida com apoio do Instituto Cultura Etc., editais públicos e dedicação voluntária.

Por uma cidade que garanta o direito ao livro, à leitura e à biblioteca

Em um país como o Brasil, marcado por desigualdades e exclusões, esses exemplos de leitoras e leitores de Piracaia revelam como a biblioteca pode ser um importante dispositivo de mediação cultural, propulsor de aprendizagens e sociabilidades. Para isso, ela precisa ser realmente aberta, em diálogo com a comunidade na qual está inserida.

Seu acervo deve contemplar a diversidade de interesses de leitura: de clássicos da literatura à culinária, passando por história em quadrinhos, best-sellers, poesia, autores locais...

Como mediadora cultural, a biblioteca precisa de profissionais qualificados e variados e de uma programação que incentive a formação de novos leitores e novas leituras (de texto e de mundo).

Rodas de conversa, saraus, oficinas, bate-papo com autores e piqueniques literários são algumas das experiências em torno da escrita que convidam e incluem leitores e "não leitores''.

As bibliotecas de que precisamos se constroem na relação com as realidades, as necessidades e os potenciais das comunidades nas quais estão inseridas. Existem, hoje, referências legais, construídas coletivamente, que orientam nesse sentido, tal como a Lei 13.696/2018, que institui a Política Nacional de Leitura e Escrita e as Diretrizes do Sistema Estadual de Bibliotecas do Estado de São Paulo.

Caia na Leitura!

O Piracaia na Leitura, que este ano completa uma década de atuação, revela que ações concretas em favor da democratização da leitura – e um olhar interessado nas pessoas e nos territórios – são atitudes bem diferentes de esperar que leitores idealizados demandem por bibliotecas, enquanto estas forem escassas e/ou mantiverem-se fechadas em si mesmas.


*Amanda Leal de Oliveira é cientista social, bibliotecária e coordenadora do Projeto Piracaia na Leitura.


Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do Jornal Assa-Peixe. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas piracaienses e de refletir tendências do pensamento contemporâneo.

 
 
 

Posts recentes

Ver tudo

1 comentário


Ricardo Falzetta
Ricardo Falzetta
26 de ago. de 2024

Texto essencial! Parabéns!

Curtir
bottom of page