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O Piracaiense

Atualizado: 24 de ago. de 2024

A pesquisa e a valorização dos jornais é uma importante fonte de discussões sobre Piracaia, sobre seus moradores e sobre o que eles desejam do presente e do futuro da cidade.


Por Ivo Paulino Soares*

Recentemente, tive contato com duas coleções do jornal O Piracaiense, publicadas entre 1947 e 1955, que estimularam reflexões sobre a imprensa local. Com leitura minuciosa, os exemplares do jornal me convidaram a repensar o cidadão comum do município, bem como o lugar que a imprensa e a memória podem ocupar na política da cidade sem fazer partidarismo panfletário. O jornal teve o protagonismo conhecido do senhor Antônio de Pádua Zago, tornando-se o mais longevo semanário da cidade, perdurando de 1902 até, pelo menos, o início da segunda metade do século 20. Mais tarde, foi seguido por outras iniciativas importantes, como o Piracaia Jornal e, nas últimas décadas, o Piracaia Hoje e o Piracaia na Rede, entre outros.

O que pode surpreender, observando cada um dos cadernos, é que havia muitos nomes em atividade no veículo que merecem ser lembrados, despertando curiosidades sobre a história local. Job Telles é um deles, registrado como responsável por várias edições, deixou a imprensa para prosseguir na carreira política e foi, inclusive, prefeito eleito de Piracaia, em 1947. 

Contudo, o que mais se faz presente em O Piracaiense é a vida pública, no sentido mais abrangente da política, demonstrando como essas edições são materiais inestimáveis para a compreensão da cidade no pós-guerra. Numa delas, constam iniciativas do então prefeito, Valabonso Candido Ferreira, acompanhadas das notas administrativas de Walabonso Afonso Ferreira, dos informes cartoriais do senhor José Adonis Barros e dos informes judiciais da senhora Gabriela Freire Pestana. Por um instante, vislumbramos um pouco mais o trabalho de uma antiga e conhecida fração letrada da cidade, dedicada à burocracia municipal por décadas, em suporte ou ao lado dos políticos, apresentada nos textos em trejeitos, personalidades e nomes conhecidos. 

Dados relevantes merecem ser destacados. Nas edições de 1947, o jornal lamentava, em várias páginas, a morte de um dos mais importantes prefeitos de Piracaia, talvez o mais conhecido do período do café, o Coronel Thomaz Gonçalves da Rocha Cunha. Posteriormente, na edição de 1955, o então presidente da Câmara Municipal, João de Moraes Goes comemorava os primeiros anos de democracia, em comunhão com políticos emergentes do Estado de São Paulo, demonstrando a energia do corpo mais jovem de vereadores. Comparadas as edições, de 1947 e 1955, percebemos que se encerrava uma era: enquanto faleciam os coronéis, ascendia uma geração de quadros políticos liberais e democratas, que iniciavam suas atividades públicas e logo iriam suceder os mais velhos, como também Francisco Gonçalves Bueno e, mais tarde, Manoel Bueno, Orlando Júlio Guimarães e Alziro Brandão. 

Hoje, não cabe mais a afirmação d’O Piracaiense, no masculino, como está naqueles volumes, em misto de inocência e patriarcalismo. Importa mais a inclusão das piracaienses, como aquelas mulheres que sabemos o quanto estavam presentes na vida pública da comunidade, mas com dificuldades estruturais para se manter na política. Dona Maria José Freire Pestana, a precursora na vereança de Piracaia, na década de 1960, aparece listada como a única mulher na composição dos partidos, mas sem a mesma expressão no jornal do que os homens, seus colegas.

Da perspectiva de hoje, podemos avistar, naquela época, uma cidade culturalmente rica, com um centro expandido talvez até mais agitado do que agora, em empreendimentos da família Verdi, que tanto contribuiu com o mercado do entretenimento do município, com teatro, cinema, sorveteria etc; com a esquecida escola de música da família Oviedo, que marcou gerações; e com as graciosas disputas em bailinhos e carnavais do Clube Recreativo (que era também clube literário), do Clube Atlético Piracaiense e do Piracaia Futebol Clube, além de muitas outras atividades e espaços. Sem dúvida, O Piracaiense condizia e manifestava o grupo social dominante da cidade, que conhecia o nascimento dos filhos de uns e de outros, que se acompanhava nos grupos de oração, nas campanhas pela Santa Casa, nas modas, nos casamentos, nas mortes dos entes em comum e, claro, na política. 

Eis a nossa proposta de imprensa para os dias de hoje, uma observação atenta do que a cidade se tornou ao lado da afirmação dos nossos sonhos para ela, fazendo justiça a todos e todas que vieram antes de nós. Passados tantos anos, observamos que Piracaia ainda não construiu seu museu municipal, em que materiais como esse poderiam ser acessados por todos, com alguma utilidade nas escolas, principalmente. Embora O Piracaiense não tenha sido de maneira alguma um semanário provinciano e tampouco a cidade o era, o destino dela muitas vezes o foi: escondendo-se do passado e do presente, desvalorizando  nossa voz, nossa memória e a imprensa local. Quando percebemos esse problema, notamos que um novo jornal, dedicado aos vivos e aos mortos, aos novos e às novas piracaienses, faz-se necessário.

* Ivo Paulino Soares é pesquisador, sociólogo e morador de Piracaia

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do Jornal Assa-Peixe. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas piracaienses e de refletir tendências do pensamento contemporâneo.

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