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A festa e a reconstrução do sentido coletivo de vida

Por PG Santiago*

Em Piracaia, todos os anos a comunidade aguarda ansiosamente a festa de aniversário e do padroeiro da cidade, Santo Antônio. A celebração ocupa as ruas ao redor da Igreja Matriz e é o maior evento público do município. Caminhar pela praça durante a festa é uma experiência que eu, particularmente, aprecio.


Desde que vim morar aqui, percebi que essa tradição cultural é antiga e profundamente enraizada. A festa é um elo importante entre a municipalidade e a paróquia. Muitos moradores aguardam o evento com grande expectativa, independentemente da programação das apresentações e das barracas que participam da festa.


Este ano, avanços foram conquistados com muito esforço. Finalmente, grupos musicais locais ganharam algum espaço e tempo de apresentação. Piracaia tem uma cena musical vibrante e diversificada, com músicos experientes e reconhecidos. Pela primeira vez, em 207 anos, as Congadas e o Caiapós receberam uma verba para se apresentarem na festa. A cada grupo, composto de aproximadamente 20 pessoas, foram pagos R$1.400,00. Uma quantia modesta, mas que vem em boa hora, ajudando na manutenção dos instrumentos e na confecção de figurinos.


No domingo, dia de encerramento da festa, comandei o Baque Piracatu durante o cortejo dos grupos tradicionais e estive na apresentação das congadas, das quais também participo como violeiro, a convite dos velhos congadeiros. Sou suspeito para falar, mas foi emocionante.


Estavam presentes as congadas Verde Piriquito, Branca Marinheiro, Amarela Canarinho, e Peixe Frito, além do grupo Caiapós e do Baque Piracatu. Saímos da Praça do Rosário em cortejo e subimos em direção à Matriz. Como manda a tradição, entramos na igreja tocando e, como vem acontecendo tem alguns anos, senti mais uma vez uma resistência do padre Marcos em relação aos grupos tradicionais. Independentemente dessa resistência, foi bonito notar o rosto das pessoas emocionadas ao verem os grupos ativos e altivos tocando e cantando. A festa ainda continuou por algumas horas. Finalizamos nossa apresentação na frente do palco principal para um grande público presente. E tudo isso aconteceu com essa verba modesta paga aos grupos.


Nesse mesmo dia, tivemos a apresentação de uma dupla de Mato Grosso do Sul que recebeu R$120.000,00 por duas horas de show. Não questiono o valor artístico da dupla, reconhecida no universo da música caipira. Mas a disparidade de valores salta aos olhos.


Pelos próximos cinco anos, Piracaia contará com recursos da etapa atual da Lei Aldir Blanc, que, em sua origem, estabeleceu o apoio aos trabalhadores da Cultura e aos espaços culturais que tiveram suas atividades interrompidas durante a pandemia. Na última oitiva aberta à população, foi decidida a destinação de um recurso (por sinal, menor do que o cachê da dupla caipira) para a realização de uma Festa da Cultura Tradicional, que contará com grupos folclóricos e religiosos da cidade e que pretende convidar representantes de outras cidades paulistas. Haverá também barracas de artesanato, troca de sementes e comidas tradicionais da região, como o afogado. Será uma celebração do ser caipira, da identidade e da produção cultural de Piracaia.


Temos a capacidade de criar um evento que fortaleça a comunidade, valorize os grupos tradicionais locais e regionais e promova a legítima riqueza cultural de nossa cidade. A Festa da Cultura Tradicional pode se tornar um símbolo da história cultural coletiva de Piracaia, celebrando o que temos de mais autêntico e enriquecendo a identidade da nossa cidade. Quando digo nossa, falo como “piracaiano” (termo usado para identificar quem vive na cidade mas não nasceu aqui), que chegou há 10 anos em busca de um lugar mais digno de se viver. Nesse tempo, Piracaia me deu muito. Por isso, sou eternamente grato a essa cidade. 


Depende de nós, a sociedade civil, fazer com que esses recursos sejam destinados da melhor forma para a realização de uma festa original, enriquecendo e colorindo as ruas com os grupos tradicionais, o artesanato aqui produzido e os sabores regionais. Enfim, trazendo recursos para quem produz todo tipo de cultura local. Que possamos continuar avançando, valorizando o que é nosso e construindo um futuro em que nossa riqueza cultural seja sempre motivo de orgulho e celebração.


* PG Santiago é integrante do MAAO (Movimento de Artistas e Apoiadores Organizados de Piracaia), diretor de filmes e músico. Toca viola e percussão em congadas da região e é membro da Comissão Paulista de Folclore.


Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do Jornal Assa-Peixe. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas piracaienses e de refletir tendências do pensamento contemporâneo.

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